“A taça do mundo é nossa, com o brasileiro, não há quem possa…”. O refrão da música “A Taça do Mundo é Nossa” embalou o Brasil após a conquista da Copa do Mundo de 1958. Mas a euforia que se seguiu à vitória na Suécia não era tão grande pouco antes de os 22 jogadores brasileiros embarcarem para o Chile, onde teriam de defender a conquista de quatro anos antes.
O time do Brasil era bastante contestado. Sem ter passado por grandes testes desde a conquista do mundo, a seleção era considerada, por muitos, uma equipe envelhecida.
O time que venceu em 1958 foi praticamente mantido. Na abertura da Copa, as duas únicas alterações da equipe que venceu a Suécia na final, quatro anos antes, foram as entradas de Mauro e Zózimo no miolo de zaga nos lugares de Bellini e Orlando. O restante da defesa foi mantido, e esse era um dos motivos de tantas críticas feitas pela imprensa e, naturalmente, torcida. Muitos acreditavam que Gilmar (31 anos), Djalma Santos (32 anos) e Nilton Santos (37 anos) já estavam mais próximos da aposentadoria do que em condições de jogarem para ser bicampeões do mundo.
Na estreia, contra o México, Aymoré Moreira, que herdou a vaga de treinador após a saída de Vicente Feola, com uma doença nos rins, não fez alterações no time, a não ser a dupla de zagueiros. Com a fama conquistada na Suécia, a equipe brasileira sofreu bastante para furar a retranca mexicana. Num jogo de ataque contra a defesa, quem brilhou foi o goleiro Carbajal, que fez defesas fantásticas em todo o primeiro tempo. No Brasil, Nilton Santos era mais atacante do que defensor, Zito ficava mais à frente com Didi, e a zaga praticamente não precisava trabalhar. Zagallo, aos 11 minutos, e Pelé, aos 28, conseguiram vencer a defesa mexicana, e o Brasil conseguiu a primeira vitória na chave.
O segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, foi a partida que mudou a história brasileira no Mundial. Pela frente, um rival duro. Um time hábil e forte, que contava com Masopust, grande meio-campista. O que seria um teste de fogo para a defesa do Brasil se transformou num grande drama para o time todo. Aos 25 minutos do primeiro tempo, Pelé arriscou um chute de fora da área. No movimento para a finalização, ele rompeu o músculo da coxa. Como não era possível substituir jogadores, o camisa 10 brasileiro ficou em campo os outros 65 minutos só para fazer número. Mauro e Zózimo conseguiram segurar o ataque tcheco, e o 0 a 0 decretou o último jogo de Pelé naquele Mundial.
A terceira e decisiva partida brasileira na fase inicial da Copa era contra a difícil seleção espanhola. Com alguns jogadores naturalizados, como o craque húngaro Puskas, os espanhóis precisavam da vitória para seguir adiante e ainda eliminar o Brasil. Com isso, o time da Espanha foi para o ataque, exigindo do goleiro Gilmar sua melhor partida na Copa. Ele foi tão bem que Lev Yashin, melhor goleiro da história da União Soviética, declarou após aquela Copa que Gilmar era “o melhor goleiro do mundo”.
Mas o lance que mudou a partida foi protagonizado por Nilton Santos. Ainda no primeiro tempo, quando a Espanha já vencia por 1 a 0, Nilton cometeu um pênalti. Após fazer a falta, o lateral deu dois passos à frente, saindo da grande área. O árbitro chileno Sérgio Bustamante olhou o brasileiro fora da área e não teve dúvidas, assinalou a falta, em vez da penalidade máxima. A marcação irritou os espanhóis, que reclamaram bastante. Para piorar, na cobrança da infração, Bustamante anulou o gol de bicicleta de Pieró, alegando irregularidade no lance. A polêmica recolocou o Brasil no jogo. No segundo tempo, o time virou a partida aos 41 do segundo tempo e seguiu para as quartas-de-final, contra a Inglaterra.
A partida contra os ingleses foi novamente um duro teste para o Brasil. Com a força do jogo aéreo britânico, Mauro e Zózimo tiveram muito trabalho, assim como Gilmar. Se a partida era dura na defesa, no ataque ela foi só alegria. Garrincha, inspirado, fez dois gols e participou do outro na vitória por 3 a 1, que ficou marcada pela invasão de campo por dois cachorros. Um deles, aliás, conseguiu ser o único a não ser vencido por Garrincha naquele dia, aplicando um desconcertante drible no atacante brasileiro. Com a vaga na semifinal, o Brasil voltou a assumir a condição de favorito, até então colocada em xeque pela imprensa nacional.
Na semifinal, a seleção enfrentaria o Chile, que conseguia chegar a seu melhor resultado numa Copa do Mundo muito em função de ser o anfitrião do torneio. Num estádio Nacional de Santiago abarrotado com 76.500 torcedores, a equipe chilena não conseguiu assustar tanto assim a seleção. Aos 9 minutos, Garrincha já havia aberto o placar, que foi ampliado aos 32. No fim do primeiro tempo, uma cobrança de falta de Toro conseguiu vencer Gilmar, e o Chile foi para o intervalo precisando de apenas um gol para empatar. Na volta do intervalo, Vavá ampliou a contagem, aos 2 minutos. Novamente numa bola parada, os donos da casa diminuíram. Zózimo cometeu pênalti, convertido por Sánchez. Embalados pela torcida, os chilenos foram para o ataque, mas não conseguiam furar a defesa brasileira, que tinha em Mauro e Zózimo uma dupla de zaga muito firme. Ao mesmo tempo, Djalma Santos tinha como função servir a bola a Garrincha, que tentava conter o avanço adversário com dribles e arrancadas para a linha de fundo. O quarto gol, anotado por Vavá, a 12 minutos do fim, sepultou as chances chilenas.
A vitória brasileira, porém, foi marcada por nova polêmica. Alvo das botinadas chilenas ao longo da partida, Garrincha decidiu revidar as agressões sofridas. Quando o jogo chegava ao fim, chutou Rojas, que havia feito uma falta sobre o brasileiro. Resultado: cartão vermelho e a quase certeza de que não jogaria na decisão contra a Tchecoslováquia.
A “sorte” de Garrincha, porém, mudou nos quatro dias que separaram a semifinal da partida decisiva da Copa. O árbitro peruano Arturo Yamasaki e o auxiliar, o uruguaio Esteban Marino, não apresentaram-se para o julgamento do camisa 7 do Brasil. Com isso, não puderam confirmar o relato da agressão feita pelo brasileiro, que acabou absolvido e jogou a final contra os tchecos.
Na decisão, o Brasil voltaria a enfrentar o time que não conseguiu vencer na primeira fase. Para piorar, os tchecos começaram a partida em vantagem. Logo aos 15 minutos, Masopust abriu o marcador. A blitz tcheca, porém, foi abalada com o empate de Amarildo, dois minutos depois. O gol recolocou o Brasil na partida. Assim como aconteceu na maioria dos jogos, no segundo tempo a seleção deslanchou. E contou com dois jogadores da defesa para conseguir a virada e o bicampeonato.
Aos 24 minutos, Zito, que era uma espécie de volante de contenção, teve um momento de inspiração ofensiva. Subiu ao ataque e, de cabeça, completou jogada de Amarildo, colocando o Brasil em vantagem. Depois, aos 33, foi a vez de Djalma Santos dar sua contribuição ofensiva. Forte, o lateral-direito era famoso por jogar para dentro da área a bola em cobranças de arremessos laterais. Numa dessas jogadas, ele surpreendeu o goleiro tcheco Schroiff, que não conseguiu cortar a bola. A falha fez com que Vavá ficasse livre para empurrar a bola para o gol e assegurar o segundo título mundial para o Brasil.
Com a vitória, coube mais uma vez a um zagueiro a honra de levantar o caneco. Mauro, substituto de Bellini dentro de campo, foi também o encarregado de receber o troféu Jules Rimet. Da mesma forma que o antecessor, ele ergueu a taça sobre a cabeça, e o Brasil consolidava não apenas o simbólico gesto de erguer a taça, como se tornava o segundo país a ganhar dois Mundiais seguidos.
CURIOSIDADES
>> Mauro Ramos, zagueiro e capitão do Brasil, ganhou um apelido da imprensa durante o Mundial. Ele foi chamado de Marta Rocha, então uma das mais belas mulheres do Brasil e que foi vice-campeã do concurso de Miss Universo. A alcunha tinha explicação. Assim como a miss brasileira, o zagueirão tinha classe e um futebol vistoso…
>> Por pouco o Mundial não aconteceu no Chile. Dois anos antes, um terremoto devastou o país. O saldo foi a morte de 5 mil pessoas, além de ¼ da população ficar desabrigada, o que gerou muitas dúvidas sobre as condições de os chilenos receberem o torneio. Charles Dittborn, dirigente responsável pela gestão do Mundial no país, afirmou que nada abalaria a pretensão chilena em receber o torneio: “Porque nada temos, tudo faremos”, afirmou Dittborn. Promessa feita e cumprida pelo dirigente, que infelizmente não conseguiu ver o sonho realizado. Um mês antes da Copa, ele morreu, vítima de um infarto fulminante, muito por conta do stress em preparar o Chile para o evento. Como forma de homenageá-lo, os chilenos deram o nome de Dittborn para o estádio de Arica, um dos quatro utilizados na competição.
>> A Copa de 62 foi marcada pela violência dentro de campo. Em quatro dias, 50 jogadores já haviam se machucado por lances desleais de adversários. No final, o Mundial contabilizou três fraturas de pernas, uma de nariz e uma de quadril. A violência observada no Chile ajudou a Fifa a introduzir a ideia dos cartões amarelo e vermelho para os atletas. Antes, eles só podiam ser expulsos de campo.
>> O Mundial foi marcado também pela superstição. No lado do Brasil, por exemplo, os jornalistas que cobriam o torneio obrigaram uns aos outros de sempre vestir a mesma roupa nos dias de jogos, para não “dar azar”. No Chile, o hábito era outro. Antes de cada jogo, o técnico Fernando Riera servia um alimento típico do país adversário. Contra os suíços, os chilenos comeram queijo. Contra a Itália, macarrão. No terceiro jogo, contra a Alemanha, o time desistiu de seguir o ritual. Derrotados, os chilenos apostaram em voltar com a degustação pré-jogo. Assim, contra a Rússia, nas quartas-de-final, tomaram vodca. Na semifinal, antes de enfrentar o Brasil, a equipe chilena decidiu tomar café. A tática, dessa vez, não deu certo…
Fotos: http://mochileiro.tur.br/copa-1962.htm