Ansiedade, medo do contágio pelo novo coronavírus, falta de contato com amigos e até mesmo familiares. Não há como negar: tudo isso virou parte da rotina com a chegada da covid-19. No entanto, os temores não estão restritos somente aos adultos, a saúde das crianças na pandemia também sofreu impactos importantes e merece atenção.
Segundo uma pesquisa da USP, uma em cada quatro crianças e adolescentes teve ansiedade ou depressão clínica, quando é necessário acompanhamento profissional. O estudo, que contou com 8 mil respondentes entre 5 e 17 anos, foi apresentado à Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 da Câmara dos Deputados em junho deste ano.
Com as rotinas alteradas e impostos a uma nova realidade de forma abrupta, os pequenos sentiram os receios da pandemia, sobretudo em impactos na saúde mental.
Saúde das crianças na pandemia
Entre as principais mudanças sentidas por elas, a limitação das interações sociais causada em especial pelo fechamento das escolas é uma das que traz mais entraves ao desenvolvimento psicossocial.
A cartilha Crianças na Pandemia Covid-19, apresentada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também relaciona eventuais dificuldades financeiras nas famílias — como o desemprego de algum parente ou diminuição na renda — e o “adoecimento, hospitalização e/ou morte de pessoas próximas” como fatores que reduziram o “senso de segurança e normalidade”.
A desassociação da rotina habitual e com o que era considerado seguro não é fácil. Entre as principais implicações na saúde das crianças na pandemia, um estudo de pesquisadores chineses apontou sinais como:
- ansiedade;
- depressão;
- letargia (quando há desânimo e incapacidade de reagir à vida);
- interação social prejudicada;
- apetite reduzido.
“Crianças não são indiferentes ao dramático impacto da epidemia de covid-19. Elas experimentam medos, incertezas e isolamento físico e social e podem faltar às aulas por um período prolongado. Compreender suas reações e emoções é essencial para atender adequadamente às suas necessidades”, diz um trecho da pesquisa, intitulada Transtornos Comportamentais e Emocionais em Crianças Durante a Epidemia de Covid-19.
O levantamento ouviu 320 crianças e adolescentes (entre 3 e 18 anos) na província chinesa de Shaanxi em fevereiro de 2020, quando o país já vivia momento crítico e com forte isolamento social, mas ainda antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar estado de pandemia.
Segundo os pesquisadores, o enfraquecimento do sistema imunológico se destaca entre os desdobramentos fisiológicos. Crianças entre 3 e 6 anos manifestavam mais sentimentos sobre a pandemia, tendo maior necessidade de apego e medo de que pessoas da família fossem infectadas. Já na faixa entre 6 e 18 anos, desatenção e questionamentos persistentes sobre o assunto foram os comportamentos mais comuns.
No Brasil
No Brasil, os impactos também não passaram despercebidos. O estudo da USP Jovens na Pandemia, citado no início do texto, apontou que 11% dos entrevistados estavam mais tristes, 17% tinham medo e 26% apresentavam acessos frequentes de raiva.
Em relação à rotina, alterações importantes foram notadas: por exemplo, 85% admitiram maior tempo no uso de eletrônicos em comparação ao período pré-pandemia. A média de exposição ficou em 9 horas por dia, sem contar o tempo de estudo online.
Entre os dados, 21% afirmaram que dormiam após a 1h em dias da semana e 43% não fizeram nenhuma atividade física ao menos duas semanas antes de responderem ao questionário.
Um levantamento do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), realizado pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), também apontou sintomas atrelados à saúde mental dos jovens. Pais de crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos perceberam em seus filhos:
- mudanças repentinas de humor e irritabilidade (29%);
- alterações no sono, como insônia ou excesso de sono (28%);
- diminuição do interesse em atividades rotineiras (28%);
- preocupações exageradas com o futuro (26%);
- alterações no apetite, como fome descontrolada ou falta de apetite (25%);
- agitação, tristeza ou choro fácil e sem motivo (20%);
- dificuldades para se controlar em situações de rotina (18%);
- sinais de ansiedade, como mãos frias, dormência nas extremidades ou outros (17%);
- ideias ou pensamentos relacionados a própria morte, ou a de pessoas queridas (14%);
- machucados recorrentes e lesões estranhas (4%).
Diálogo necessário
Mesmo com um cenário de retomada das atividades e mais informação do que na chegada da covid-19, o diálogo segue fundamental para manter em ordem a saúde das crianças na pandemia.
Um artigo publicado no periódico médico Journal of Pain and Symptom Management abordou a importância em conversar de forma realista sobre a situação, mas considerando o conhecimento de cada faixa etária para proteger de muita ou pouca informação.
Uma das dicas é manter a sensibilidade. É preciso promover um espaço aberto para que os pequenos sanem suas dúvidas e sintam-se acolhidos ao compartilhá-las. Conversar sobre os medos e receios do momento atual ajuda a trazer segurança, mostrando que a criança está sob cuidados.