A conquista do tetracampeonato pelo Brasil representou uma ruptura para a história da seleção brasileira. Pela primeira vez uma vitória numa Copa do Mundo foi marcada por muita contestação sobre o “estilo brasileiro” de se jogar.
Sem conquistar o Mundial desde 1970, coincidência ou não a última Copa do Mundo disputada por Pelé, o Brasil bateu recordes negativos na campanha rumo aos Estados Unidos. Carlos Alberto Parreira, técnico do time, era contestado pela mídia graças a uma polêmica declaração pré-Copa, em que afirmou que o gol “era um detalhe”, referindo-se à importância maior que dava ao sistema defensivo na montagem da equipe.
Aquela entrevista colocou o Brasil numa cisão entre a mídia e o grupo. Durante os 40 dias do Mundial, essa ruptura causou uma das mais problemáticas coberturas de Copa do Mundo. A seleção era constantemente criticada. Nos Estados Unidos, as entrevistas pós-treino e pós-jogo eram marcadas por perguntas maliciosas e respostas atravessadas.
O Brasil se voltava contra o Brasil de um jeito preocupante.
As vitórias sobre Rússia (2 a 0) e Camarões (3 a 0) refrearam um pouco os ânimos. Mesmo assim, Parreira era questionado por escalar o combatente Mazinho no lugar do criativo Raí, que deixou de ser capitão e titular no segundo jogo. Aí a seleção empatou com a Suécia por 1 a 1, na última rodada, e sofreu para fazer o 1 a 0 sobre os Estados Unidos nas oitavas-de-final.
O mantra “defesa segura, time eficiente” era o que guiava a equipe, que tinha em Romário a referência no ataque, mas em Dunga e Mauro Silva os guardiões da equipe defensivamente. A cisão entre time e imprensa durou até o duelo contra a Holanda, nas quartas-de-final. Foi um jogo de tirar o fôlego, decidido nos minutos finais, numa falta cobrada da intermediária pelo criticadíssimo lateral-esquerdo Branco.
Contra a Suécia, sem sofrer atrás, o Brasil penou para marcar o gol do jogo. Coube a Romário, que com 1,68m de altura superou os “gigantes” zagueiros suecos para, de cabeça, fazer o solitário gol que assegurou a vaga na grande final, coincidentemente com a mesma Itália de 24 anos atrás.
Na final, Parreira seguiu seus preceitos. Preferiu não sofrer defensivamente e arriscar pouco. Os italianos, castigados pelas classificações milagrosas pelos pés de Roberto Baggio, procuravam dosar o ritmo. Do lado brasileiro, a consistência defensiva era notável. O jogo seguiu no 0 a 0 até os pênaltis, com raríssimas chances dos dois lados.
Boa parte do futuro do país estava nas mãos de Taffarell.
Márcio Santos bateu e perdeu o primeiro pênalti para o Brasil. A Itália marcou. Romário empatou. E, a partir daí, o herói foi Taffarell. Ele viu Baresi errar sua cobrança e defendeu a de Massaro. O Brasil passou a não errar mais. E então, na última cobrança italiana, o grande craque se tornou vilão. Roberto Baggio chutou por cima da meta brasileira.
Após 24 anos, o Brasil voltava a erguer uma taça da Copa do Mundo, tornando-se o primeiro tetracampeão da história. De time desacreditado a grande campeão, o país voltou a ser o melhor do mundo. Dunga, o grande líder da equipe, não conseguiu esquecer o rancor com o tratamento dado pela imprensa ao longo de toda a campanha. Quando levantou a taça sobre os ombros, repetindo o gesto imortalizado por Bellini, soltou a frase: “Essa é para vocês, seus traíras”, xingando fotógrafos e representantes da imprensa brasileira que estivessem por perto.
CURIOSIDADES
+ O Brasil jogou a Copa com apenas um reserva para a zaga. Antes do Mundial, Ricardo Gomes se machucou e foi substituído por Ronaldão, do São Paulo. Ricardo Rocha, que fazia dupla com Gomes no time titular, também se lesionou, já no período em que não poderia haver substituições de atletas. Assim, Aldair e Márcio Santos, que seriam reservas, viraram titulares.
+ O time do Brasil decidiu homenagear Ayrton Senna, morto em maio daquele ano, após a conquista do Mundial. Os jogadores deram uma volta no gramado do estádio com uma faixa em homenagem ao piloto.
+ Romário quase perdeu a segunda cobrança de pênalti brasileira. Quando voltou para a roda de jogadores, ele avisou os demais batedores que havia um pequeno buraco na marca do pênalti que havia atrapalhado. Sugeriu, então, que colocassem a bola um pouco para o lado antes de bater. Coincidência ou não, o Brasil não errou mais nenhum pênalti a partir dali.
+ A vitória brasileira causou um incidente para a Receita Federal. No desembarque, toda a delegação do Brasil teve suas malas liberadas pela alfândega, sem conferência do limite de produtos importados. Com o dólar valendo menos de 1 real, atletas e dirigentes fizeram a farra de compras nos EUA. O caso foi revelado pela imprensa e causou a demissão do então chefe da Receita Federal no país.
Fonte da foto: RádioMr