A conquista do primeiro título mundial pelo Brasil, em 1958, é conhecida pelas atuações decisivas de Pelé e Garrincha. Mas o show da famosa dupla de ataque brasileira precisou, e muito, da segurança do sistema defensivo brasileiro. O título na Suécia representou para o Brasil muito mais do que a primeira conquista do mundo.
A solidez defensiva foi um dos fatores que deu confiança para que o time do Brasil pudesse ir mais longe naquela Copa. Ainda com o trauma de 1950 e com a doída derrota para a Hungria em 1954 na cabeça, a seleção era sempre questionada por “falhar” na hora decisiva.
Os jornalistas, sempre eles, diziam que os brasileiros não tinham capacidade de decidir contra os duros adversários europeus. Era o tal “complexo de vira-lata”, imortalizado pela escrita de Nelson Rodrigues. O Brasil não ganhava o mundo porque sempre se inferiorizava contra os países fortes, como Alemanha, Inglaterra ou União Soviética.
De Sordi, Bellini, Orlando e Nilton Santos compunham a linha de quatro defensores do time brasileiro, que tinha ainda Gilmar dos Santos Neves no gol.
Os cinco foram responsáveis por um recorde em equipes do Brasil nas Copas do Mundo. O país não sofreu gols nas quatro primeiras partidas do Mundial. E dois desses jogos, olhe só, eram contra alguns desses “bichos-papões” de brasileiros. Só em 1974 esse feito foi repetido por uma seleção em Copa.
O primeiro jogo, contra a Áustria, já deu mostras de que o Brasil estava diferente para aquele Mundial. Uma partida dura, que terminou a primeira etapa com a vantagem mínima para a seleção. Na volta do intervalo, com quatro minutos de bola rolando, o lateral-esquerdo Nilton Santos recebe a bola na defesa e decide partir para o ataque. Numa tabela com Mazzola, ele recebe na entrada da área e chuta para ampliar a vantagem brasileira.
Reza a lenda que Vicente Feola, o técnico do Brasil, berrava durante toda a jogada para Nilton deixar de loucura e retornar para a defesa, que era o seu lugar. O jogador do Botafogo, que começou a carreira como atacante, desobedeceu ao treinador e, quando estufou a rede austríaca, levou Feola do desespero ao êxtase.
A atitude de Nilton Santos surpreendeu o mundo. Até então, os laterais nada mais eram do que zagueiros que atuavam pelas laterais do campo. Assim como os zagueiros do miolo de área, eles geralmente eram mais fortes e quase nada habilidosos com a bola nos pés. A função era, meramente, conter o avanço de jogadores adversários. Naquele time do Brasil, porém, enquanto De Sordi desempenhava bem a função de marcador pela direita, do lado esquerdo Nilton Santos aprontava algumas surpresas. Extremamente técnico, o lateral não se continha em marcar. E foi justamente essa inovação apresentada por ele que deu ao Brasil fôlego para estrear com uma vitória sobre a Áustria por 3 a 0.
Os dois adversários seguintes do Brasil foram Inglaterra e União Soviética. Rivais temidos pelo vigor físico, mas que, com a bola rolando, não conseguiram se impor contra a seleção. Numa bela atuação do goleiro McDonald, que fez ótimas defesas, não saímos de um empate sem gols com a Inglaterra.
Vicente Feola, então, precisou mudar a equipe contra a União Soviética. Dino Sani, volante, se machucou no treino, e deu lugar a Zito. Pelé, recuperado de uma lesão no tornozelo, tirou Mazzola do time. E Garrincha foi escalado para o lugar de Joel, numa tentativa de deixar o time mais imprevisível com os dribles do atacante do Botafogo.
As trocas surtiram efeito, e o Brasil atropelou os russos. O placar de 2 a 0 não refletiu o domínio brasileiro em campo, que em dois minutos de jogo já tinha acertado duas vezes a trave e, no terceiro, fez o gol com Vavá.
Contra o País de Gales, mais uma vez a solidez da defesa ajudou o Brasil a seguir adiante. Bem ao estilo britânico, os galeses travaram o jogo e tentavam, na bola aérea, derrubarem o favoritismo brasileiro. A partida, defensivamente, exigiu muito de Bellini e Orlando. Os dois zagueiros do Vasco precisaram suar a camisa para evitar o “chuveirinho” galês. Com a defesa segura, coube a Pelé resolver o jogo, num gol excepcional em que deu dois chapéus nos defensores e estufou a rede para levar o Brasil à semifinal.
O jogo contra a França era a prova de maioridade para todo o time brasileiro. Os franceses tinham, até então, o melhor ataque da Copa: 15 gols, sendo oito deles de Just Fontaine, artilheiro do torneio. Aos 2 minutos, Vavá já fazia o primeiro gol brasileiro. Mas aos 9, Fontaine empatou para a França, no primeiro gol sofrido pelo time nacional em solo sueco. Didi, aos 39, fez o segundo, e o Brasil foi para o intervalo em vantagem. Na etapa final, Pelé fez seu grande jogo na Copa. Marcou três vezes, e o gol de Piantoni aos 38 minutos não significou qualquer problema para um Brasil com o pé na final da Copa do Mundo pela segunda vez.
Na decisão, o Brasil enfrentou a Suécia. A tensão do jogo foi ampliada com o gol sueco logo aos 4 minutos. Era a primeira vez que o time brasileiro saia atrás no placar. Assim que a bola entrou no gol de Gilmar, o meia Didi correu para a rede, buscou a bola, colocou-a debaixo do braço e saiu em direção ao centro do campo para recomeçar a partida. O gesto do líder da equipe acalmou o time, que então retomou a confiança e goleou os anfitriões por 5 a 2, conquistando o inédito título mundial para o Brasil.
Na hora de receber a taça, coube a um defensor a honra de segurá-la pela primeira vez. Bellini, capitão do time, pegou a Jules Rimet na mão. Em frente aos fotógrafos, recebeu deles um pedido para que levantasse a taça para que ela pudesse ser melhor fotografada. O zagueiro decidiu, então, colocá-la sobre a cabeça. O gesto foi amplamente divulgado. A partir dali, todo campeão tem como gesto simbólico erguer a taça sobre a cabeça, num símbolo de triunfo.
CURIOSIDADES:
>> Antes da final, o Brasil teve de mudar de roupa. Como enfrentaria a Suécia, que vestia amarelo, a seleção brasileira precisou escolher uma nova cor de uniforme. Até 1950, o Brasil vestia uma camisa branca. No país, a camisa branca ficou com fama de azarada. Paulo Machado de Carvalho, líder da delegação brasileira, decidiu então comprar um jogo de uniformes na cor azul. Para evitar que os atletas ficassem com medo de trocar de camisa após cinco ótimos jogos, Carvalho teve uma ideia. Apelou para a superstição. Disse aos atletas que o time jogaria com a cor do manto de Nossa Senhora, santa padroeira do país. Com isso, seria impossível o time não ser protegido dentro de campo. A “sorte” ajudou, e a partir daquela Copa o Brasil ganhava um segundo uniforme. Que, aliás, é da mesma cor do da Suécia, anfitriã do torneio.
>> O Brasil quase foi eliminado antes de a Copa começar. Na inscrição dos jogadores enviada à Fifa, não constava os números que eles usariam na camisa. O dirigente uruguaio Lorenzo Vilizio, que era o representante da Confederação Sul-Americana (Conmebol) na competição, conseguiu impedir que o Brasil fosse eliminado ao colocar, aleatoriamente, os números na camisa dos jogadores. Gilmar, o goleiro, era o camisa 3, por exemplo. Pelé, curiosamente, ficou com a 10. Veja a relação completa dos números usados pelos jogadores brasileiros.
Goleiros: Gilmar (3) e Castilho (1)
Laterais direitos: De Sordi (14) e Djalma Santos (4)
Zagueiros: Bellini (2), Orlando (15), Mauro (16) e Zózimo (9)
Laterais esquerdos: Nílton Santos (12) e Oreco (8)
Volantes: Zito (19) e Dino Sani (5)
Meias: Didi (6) e Moacir (13)
Atacantes: Garrincha (11), Joel (17), Vavá (20), Pelé (10), Zagallo (7) e Pepe (22)