A crise econômica causada pela pandemia da Covid-19 trouxe a necessidade de olhar com mais atenção para a saúde financeira e mental – tópicos que caminham juntos e podem impactar o bem-estar e causar grandes problemas financeiros.
De acordo com o relatório do Money and Mental Health Policy Institute realizado em 2019, os problemas de saúde mental e dinheiro estão relacionados e um pode alimentar o outro criando um ciclo vicioso que pode agravar as dificuldades financeiras e emocionais.
A pesquisa aponta que 93% das pessoas com a saúde mental abalada gastam mais do que o normal; 92% acharam difícil tomar algum tipo de decisão financeira e 74% adiam o pagamento de contas. Outros 71% evitam lidar com os credores e 56% pegaram empréstimo que, em outra situação, não teriam contratado.
Vera Rita Ferreira, precursora no estudo da psicologia econômica no Brasil, professora e consultora, explica que, entre outros fatores, a nossa sobrevivência costuma depender de dinheiro, portanto qualquer solavanco já rouba a paz de qualquer pessoa e causa estresse.
Caso seja uma falta de dinheiro crônica, em que a pessoa nunca tem dinheiro suficiente para as necessidades básicas, ela fica sempre na corda bamba e não consegue pensar em mais nada a não ser que precisa de mais dinheiro. É um ciclo infinito de escolhas sobre o que fazer com o pouco que tem, por exemplo: pagar a conta de luz ou comprar comida para o jantar.
“A preocupação permanente com a falta de dinheiro te rouba a atenção, a energia e acaba afetando a sua capacidade de processar informações. Também pode afetar o autocontrole, porque o tempo inteiro a pessoa está dizendo não para ela mesma e negando pequenos ou grandes desejos”, afirma Ferreira. De acordo com a professora, quando a capacidade de controle se esgota a pessoa não consegue administrar o dinheiro que entra, pois não tem mais condição de se proibir.
Os efeitos da saúde financeira e emocional abaladas
Em março, no começo da pandemia do novo coronavírus, o levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostrou que a ansiedade foi o sintoma que atingiu seis em cada dez inadimplentes (63,5%). Na sequência, aparecem o estresse e irritação (58,3%), tristeza e desânimo (56,2%), angústia (55,3%) e vergonha (54,2%) – que foi mais comum entre as mulheres (57,6%) do que entre os homens (49,4%).
O estudo ainda aponta que 42,8% relataram insônia ou excesso de vontade de dormir e 32,3% apresentaram alterações no apetite, com mais ou menos fome do que de costume. Outro dado alarmante é que 28,2% das pessoas endividadas aliviaram suas ansiedades em algum vício, como cigarro, bebida ou comida e 24,7% gastaram mais com compras – ou perderam o controle.
“Se a saúde mental vem pedindo atenção, é comum descontarmos em compras desnecessárias, viagens inoportunas e diversas outras formas de compensar o vazio atrelado ao lado emocional. Mas se as minhas finanças estão em dia e eu tenho reserva financeira, a tendência é ter mais qualidade de vida, não me cobrar tanto, ter uma vida com mais equilíbrio e menos irritabilidade”, argumenta Odinéia Silva, educadora financeira.
Resistir a tentação de comprar para aliviar um vazio momentâneo é um grande desafio. Para ajudar a segurar o impulso, Silva recomenda pensar sobre as seguintes questões: eu realmente preciso disso? Posso pagar? Está de acordo com os meus objetivos? Se você estiver em algum site, espere até o fim do dia, faça outras atividades e depois tome a decisão.
Como equilibrar a saúde financeira e mental
A crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19 impactou a renda de muitas pessoas, seja pelo desemprego ou corte de salário. Diante desse cenário, é muito complicado manter a cabeça fria.
“Eu acho que a chave nunca está no dinheiro, mas sempre na capacidade psíquica de lidar com as situações. Quando o contexto é tão absurdamente irrespirável vai afetar a saúde mental, a pessoa só vai conseguir pensar no dinheiro que ela precisa desesperadamente, não vai conseguir cuidar do resto e vai ser muito difícil”, afirma.
Portanto, conte com o apoio de pessoas próximas para te ajudar a encontrar soluções e não ficar tão focado apenas na falta de dinheiro. Ferreira destaca “família que aperta o cinto unida, permanece junta desde que seja um objetivo de todos”.
A busca pelo equilíbrio da saúde financeira pessoal e mental passa por conhecer as suas finanças com todas as receitas e despesas, porque assim você tem clareza do que está acontecendo e junto com a sua família pode traçar planos e enfrentar esse momento difícil.
Avalie as despesas e faça os ajustes necessários no padrão de vida. “Tenha controle dos desembolsos previstos para os próximos meses, não assuma nenhum parcelamento que você não terá condição de pagar, opte por pagar à vista e barganhe desconto”, orienta Silva. Em caso de dívidas, converse com os credores, explique a sua situação financeira e tente chegar em um acordo para quitar os débitos.
Mesmo endividada, Vera defende que pode ser interessante guardar algum dinheiro para que a pessoa tenha a experiência emocional de que é capaz de fazer algo por ela. “Uma aluna minha contou que a cliente dela estava super endividada e ficava desesperada todas as vezes que o gás acabava, porque não sabia se ia ter dinheiro para comprar. Então, ela começou a fazer uma pequena reserva para o gás e conseguiu liberar espaço na mente para cuidar de outras situações da vida, incluindo os problemas financeiros sem a preocupação com a comida dos filhos. Logo, a maneira como a gente se relaciona com dinheiro não tem uma regra única”, finaliza.